Caros leitores, a revista História em Foco em sua edição Extra nº 01 do Ano 1 de 2014, publicada no mês de Agosto, buscou compreender a face histórica de Jesus Cristo.
Muito bem escrita e fundamentada, contou com grandes estudiosos da religião e, também, com minha singela contribuição.
Publico, na íntegra, a entrevista dada à jornalista Karina Alonso.
Karina Alonso- Na Bíblia tem alguma passagem que diga que Jesus nasceu no Natal? E sobre o
nascimento dele em Belém?
Diego Monsalvo- Veja, natal é tão somente
uma palavra latina que indica nascimento (natalis);
agora, o dia 25 de dezembro como referência ao nascimento de Jesus foi escolhido
somente por meados do século IV
para que ocorresse como que a junção entre as culturas judaico-cristã e a romano-latina,
uma vez que Dezembro era o mês do solstício
de inverno celebrado pelos romanos com base, anteriormente à aceitação
da fé cristã, nos deuses da cultura persa, e também da cultura helênica.
Pelo fato de dezembro ser
mês de rigoroso inverno, é mais provável que Jesus tenha nascido por entre os
meses de março e novembro. Mas, ainda assim, há um fato curioso aí, foram os pastores os primeiros a chegar à estrebaria para ver
Jesus na Manjedoura, e historicamente, é também em dezembro, com o início das
chuvas, que as ovelhas começam a ser recolhidas dos campos abertos, indicando
uma possibilidade ambígua e curiosa
na data de nascimento. É mais um elemento para, talvez, reforçar a fé dos
cristãos.
Agora, como podemos
considerar o cristianismo como uma religião
documental, uma vez que há fartos textos de diferentes épocas e
contextos históricos que a reforçam, o nascimento descrito em Belém pode ser
comprovado por meio do decreto de César Augusto_ e os relatos do deslocamento
de Maria e José_ no reinado de Herodes que, em seguida, mandara matar os
recém-nascidos menores de dois anos
(aqui, alguns historiadores, veem uma prova da ideia da data de visita dos magos orientais e a verdadeira idade
de Jesus) na região de Belém da Judéia por ver ameaçado seu trono por parte de
um suposto Messias, já profetizado como Rei dos Judeus. Com relação a César
Augusto ter emitido um decreto de recenseamento durante o início das chuvas e
do frio invernal, fica uma dúvida a ser, digamos, solucionada pela fé cristã.
Karina Alonso- Alguns pesquisadores sobre a Bíblia afirmam que a população definiu os magos,
que visitaram Jesus, como três reis. O que o senhor, como filósofo e estudioso das
religiões históricas, diz sobre o assunto? E o que a Bíblia diz?
Diego Monsalvo- O que ocorre, o mais
provável, é que eram três grandes astrólogos/astrônomos,
ou seja, os representantes do conhecimento científico mais profundo da época. A
Bíblia, com isso, mostra a ideia de um reconhecimento e, também, de comunhão da
ciência, do conhecimento filosófico a respeito do mundo, com a aceitação do
Messias como expressão maior da sabedoria. É
a imagem histórica mais profunda da relação sincera entre a fé e a razão.
Karina Alonso- Há passagens do Antigo e do Novo Testamento que são muito parecidas, o que dá
abertura para algumas pessoas dizerem que diminui a credibilidade delas. Essa
coincidência poderia indicar essa falta de credibilidade ou não atrapalha seu
entendimento?
Diego Monsalvo- Penso, respeitando as ideias contrárias, que isto reforça a credibilidade e a fé cristã,
uma vez que desde a Torah (os
primeiros cinco livros de Moisés, sagrados ao judaísmo) aos livros proféticos e
sapienciais, há sempre uma
previsibilidade messiânica, isto é, o surgimento de um Messias é visto
como o ápice da aliança de Deus com suas criaturas: os planetas, o
tempo-espaço, os mares, as estrelas, o ser humano...
Karina Alonso- A Bíblia não tem linguagem clara, o que possibilita diversas interpretações
sobre assuntos polêmicos. Queria que o senhor falasse um pouco sobre alguns
temas presentes e se as passagens sobre elas dão abertura para essas interpretações:
* Jesus era irmão gêmeo de Tomé?
Diego Monsalvo- Não. Esta referência à
suposta irmandade sanguínea de Jesus e alguns de seus discípulos precisa ser
esclarecida à luz de sua época, com seu contexto
filológico próprio. Desde o aramaico, a língua falada pelos judeus no
tempo de Jesus, até o grego, irmão
designa grau de parentesco de consanguinidade próxima, podendo ser
irmão ou primo, por exemplo; e aqui temos que lembrar, mais do que Tomé, principalmente,
de Tiago, José, Judas e Simão que são
citados literalmente como os irmãos de Jesus. Fato é que todas as referências à família de Nazaré tratam-na como
um trio parental, qual seja,
José, Maria e Jesus e, ainda, todas as citações acerca da maternidade de Maria,
mãe de Jesus, colocam-na como mãe de
unigênito.
* Jesus não foi crucificado?
Diego Monsalvo- Uma vez que em Roma, ainda
mais em seu nascedouro e afirmação política, a crucificação era uma das mais
usuais penas de morte aos detratores do império, e levando-se em conta que
Jesus foi condenado religiosamente pela cúpula religiosa de seu próprio povo
judeu e, também, politicamente pelas autoridades romanas, é quase impossível pensarmos que ele não seria crucificado.
E ainda, levando-se em conta as citações históricas, mesmo aquém de qualquer
possível milagre realizado, tudo indica para uma pena de crucificação aplicada
a Jesus.
* Seria possível que Judas tivesse entregue Jesus por pedido dele?
Diego Monsalvo- Não há nenhuma indicação
disso; o que há é o fato de Jesus, encarnando as profecias, saber como seria tratado o filho de Deus
e o que dele seria feito.
* Jesus poderia ter se casado com Maria Madalena? E ter tido filhos?
Diego Monsalvo- Deixemos estes fatos aos
livros de Dan Brown, pois do ponto de vista histórico documental não há a menor referência a esta
possibilidade. É uma invenção bastante presente e persistente no mundo,
apenas, da ficção.
Karina Alonso - Há passagens na Bíblia que sugerem a reencarnação, nos moldes da doutrina
espírita?
Diego Monsalvo- Não. Digo isto com muito respeito à doutrina espírita, mas é bastante forçada esta interpretação.
Temos de levar em conta que o principal sintetizador do espiritismo, Allan Kardec, é um homem de formação
protestante, pedagogo inclusive, do século XIX que buscava saídas para
justificar parte daquilo que a razão, tão cobrada à época, não conseguia
explicar, encontrou na interpretação subjetiva, pessoal de algumas passagens
bíblicas, possibilidades que fundamentariam suas já formuladas opiniões e
teses.