O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Berthold Brecht)

sábado, 9 de agosto de 2014

As faces de Cristo

Caros leitores, a revista História em Foco em sua edição Extra nº 01 do Ano 1 de 2014, publicada no mês de Agosto, buscou compreender a face histórica de Jesus Cristo
Muito bem escrita e fundamentada, contou com grandes estudiosos da religião e, também, com minha singela contribuição.
Publico, na íntegra, a entrevista dada à jornalista Karina Alonso.
Karina Alonso- Na Bíblia tem alguma passagem que diga que Jesus nasceu no Natal? E sobre o nascimento dele em Belém? 
Diego Monsalvo- Veja, natal é tão somente uma palavra latina que indica nascimento (natalis); agora, o dia 25 de dezembro como referência ao nascimento de Jesus foi escolhido somente por meados do século IV para que ocorresse como que a junção entre as culturas judaico-cristã e a romano-latina, uma vez que Dezembro era o mês do solstício de inverno celebrado pelos romanos com base, anteriormente à aceitação da fé cristã, nos deuses da cultura persa, e também da cultura helênica.
Pelo fato de dezembro ser mês de rigoroso inverno, é mais provável que Jesus tenha nascido por entre os meses de março e novembro. Mas, ainda assim, há um fato curioso aí, foram os pastores os primeiros a chegar à estrebaria para ver Jesus na Manjedoura, e historicamente, é também em dezembro, com o início das chuvas, que as ovelhas começam a ser recolhidas dos campos abertos, indicando uma possibilidade ambígua e curiosa na data de nascimento. É mais um elemento para, talvez, reforçar a fé dos cristãos.
Agora, como podemos considerar o cristianismo como uma religião documental, uma vez que há fartos textos de diferentes épocas e contextos históricos que a reforçam, o nascimento descrito em Belém pode ser comprovado por meio do decreto de César Augusto_ e os relatos do deslocamento de Maria e José_ no reinado de Herodes que, em seguida, mandara matar os recém-nascidos menores de dois anos (aqui, alguns historiadores, veem uma prova da ideia da data de visita dos magos orientais e a verdadeira idade de Jesus) na região de Belém da Judéia por ver ameaçado seu trono por parte de um suposto Messias, já profetizado como Rei dos Judeus. Com relação a César Augusto ter emitido um decreto de recenseamento durante o início das chuvas e do frio invernal, fica uma dúvida a ser, digamos, solucionada pela fé cristã.


Karina Alonso- Alguns pesquisadores sobre a Bíblia afirmam que a população definiu os magos, que visitaram Jesus, como três reis. O que o senhor, como filósofo e estudioso das religiões históricas, diz sobre o assunto? E o que a Bíblia diz? 

Diego Monsalvo- O que ocorre, o mais provável, é que eram três grandes astrólogos/astrônomos, ou seja, os representantes do conhecimento científico mais profundo da época. A Bíblia, com isso, mostra a ideia de um reconhecimento e, também, de comunhão da ciência, do conhecimento filosófico a respeito do mundo, com a aceitação do Messias como expressão maior da sabedoria. É a imagem histórica mais profunda da relação sincera entre a fé e a razão.


Karina Alonso- Há passagens do Antigo e do Novo Testamento que são muito parecidas, o que dá abertura para algumas pessoas dizerem que diminui a credibilidade delas. Essa coincidência poderia indicar essa falta de credibilidade ou não atrapalha seu entendimento? 


Diego Monsalvo- Penso, respeitando as ideias contrárias, que isto reforça a credibilidade e a fé cristã, uma vez que desde a Torah (os primeiros cinco livros de Moisés, sagrados ao judaísmo) aos livros proféticos e sapienciais, há sempre uma previsibilidade messiânica, isto é, o surgimento de um Messias é visto como o ápice da aliança de Deus com suas criaturas: os planetas, o tempo-espaço, os mares, as estrelas, o ser humano...

Karina Alonso- A Bíblia não tem linguagem clara, o que possibilita diversas interpretações sobre assuntos polêmicos. Queria que o senhor falasse um pouco sobre alguns temas presentes e se as passagens sobre elas dão abertura para essas interpretações:

* Jesus era irmão gêmeo de Tomé? 

Diego Monsalvo- Não. Esta referência à suposta irmandade sanguínea de Jesus e alguns de seus discípulos precisa ser esclarecida à luz de sua época, com seu contexto filológico próprio. Desde o aramaico, a língua falada pelos judeus no tempo de Jesus, até o grego, irmão designa grau de parentesco de consanguinidade próxima, podendo ser irmão ou primo, por exemplo; e aqui temos que lembrar, mais do que Tomé, principalmente, de Tiago, José, Judas e Simão que são citados literalmente como os irmãos de Jesus. Fato é que todas as referências à família de Nazaré tratam-na como um trio parental, qual seja, José, Maria e Jesus e, ainda, todas as citações acerca da maternidade de Maria, mãe de Jesus, colocam-na como mãe de unigênito.
 
* Jesus não foi crucificado? 

Diego Monsalvo- Uma vez que em Roma, ainda mais em seu nascedouro e afirmação política, a crucificação era uma das mais usuais penas de morte aos detratores do império, e levando-se em conta que Jesus foi condenado religiosamente pela cúpula religiosa de seu próprio povo judeu e, também, politicamente pelas autoridades romanas, é quase impossível pensarmos que ele não seria crucificado. E ainda, levando-se em conta as citações históricas, mesmo aquém de qualquer possível milagre realizado, tudo indica para uma pena de crucificação aplicada a Jesus.

* Seria possível que Judas tivesse entregue Jesus por pedido dele? 
Diego Monsalvo- Não há nenhuma indicação disso; o que há é o fato de Jesus, encarnando as profecias, saber como seria tratado o filho de Deus e o que dele seria feito.

* Jesus poderia ter se casado com Maria Madalena? E ter tido filhos? 
Diego Monsalvo- Deixemos estes fatos aos livros de Dan Brown, pois do ponto de vista histórico documental não há a menor referência a esta possibilidade. É uma invenção bastante presente e persistente no mundo, apenas, da ficção.

Karina Alonso - Há passagens na Bíblia que sugerem a reencarnação, nos moldes da doutrina espírita?
Diego Monsalvo- Não. Digo isto com muito respeito à doutrina espírita, mas é bastante forçada esta interpretação. Temos de levar em conta que o principal sintetizador do espiritismo, Allan Kardec, é um homem de formação protestante, pedagogo inclusive, do século XIX que buscava saídas para justificar parte daquilo que a razão, tão cobrada à época, não conseguia explicar, encontrou na interpretação subjetiva, pessoal de algumas passagens bíblicas, possibilidades que fundamentariam suas já formuladas opiniões e teses.