O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Berthold Brecht)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Sobre a FILOSOFIA e sua tarefa 'escolar'...



1. Sobre ‘dar’ aulas de FILOSOFIA: Tarefa e Desafio!

"Piano a quatro mãos
sonho com muito mais:
música a milhão de mãos,
harmonia a mundo inteiro...”
Dom Hélder Câmara*

Dar aulas é sempre uma aventura em que o empenho do professor tem de ser específico e interdisciplinar ao mesmo tempo. Quando nos deparamos com uma sala de alunos, se abrem aos nossos olhos todos os anseios, vontades, características infindas que os alunos trazem em si mesmos num momento em que toda significação da vida está, ou entra, em jogo.
Neste momento, a verdadeira tarefa do professor de filosofia é a de levar os seus alunos a buscarem sentido e significado para suas vidas, e pensarem que um mundo melhor é viável e que esse não é "o melhor dos mundos possíveis".

Está para o professor a certeza de que a humanidade pode crescer em sabedoria e graça, no entanto, faz-se urgente que se reaprenda a sonhar. E sonhar implica em, concretamente, efetivar a esperança conjunta para a realização da Justiça ("Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade", Dom Hélder Câmara).
Vejo que o maior desafio se encontra em trabalhar na retomada da capacidade de sonhar, e sonhar é fazer emergir a faculdade livre de significar tendo a presença do outro como, irrenunciável, parte de si mesmo; para que, já essa geração, não fuja ou determine como impossíveis os seus sonhos, mas reflitam profundamente até que ponto são sonhos que nasceram de aspirações, de vontades próprias, enfim, de desejos libertos e autênticos e não produtos encomendados da tecnologia. Até que ponto não são sonhos induzidos para fazer valer a lei da inércia na condição humana? Até que ponto estamos sendo contados como seres humanos capazes de mudança? Quanto vale um sonho? Será que não estamos vendendo nossos sonhos a cada instante a preço nenhum? Há quanto tempo estamos dando nossas cabeças para outros, por elas, pensarem? Devemos buscar as raízes (o pensar como poética da alma) para que cheguemos ao âmago de nossa condição, que se resume na clareza do poema: "Navegar é preciso..." e o Porto da Verdade nos espera.

2. Sobre obrigatoriedade da filosofia e a priorização dos ensinos das ciências exatas e biológicas. Quem perde é a escola e seus alunos: a SOCIEDADE.

O Brasil é um país de raízes e ideais positivistas***(cientificistas), onde o primado (a ideologia) da técnica tem como finalidade organizar a vida humana da maneira mais prática e objetiva possível; ou seja, efetivar às vidas humanas o ideal da "Colméia de Abelhas",  a cada um a sua função determinada (não, necessariamente, justa) como princípio-base do (pseudo) desenvolvimento, expresso no interessado (ou interesseiro?!) lema de nossa Bandeira: Ordem e Progresso.
Infelizmente está em nossa cultura ideológica a intenção de se formar cientistas antes mesmo de formarmos seres humanos em sua integridade.
Quando esquecemos que a pessoa é mais do que mera estatística, começamos  a acabar com qualquer possibilidade consciente-livre de sentido para vida, pois, números são incapazes de se auto-determinarem, de darem, por si só, conteúdos.
Somos, ainda, o resultado de um organismo social, onde se produziu  de nosso início enquanto 'pátria brasilis' até os primeiros anos do século XXI o descaso e indiferença para com a miséria material, moral e intelectual, investindo na formação de "cidadãos" a-éticos ou relativistas, na formação de "cientistas analfabetos", na  formação de ‘pessoas Exatas’ sem uma dignidade exata... (consideremos aqui que a Ética é disciplina, cuja matéria, por excelência, integra o âmbito da Filosofia).
Temos que derrubar o antiquíssimo e gigantesco Castelo construído às custas da dignidade humana. Pela justiça devemos correr contra o tempo e plantar as flores da esperança onde parece só existir um vazio e extenso cemitério de almas.

3. Filosofia e o dia-a-dia da CIDADANIA.

A Filosofia tem como dever atingir a cidadania através do ato principial de buscar o ser humano em sua plenitude.
O que significa ser cidadão? Não é uma tarefa fácil responder tal questão, já que muitos pensam ter em mente o que vem a ser a resposta. Mas se pararmos para pensar com o devido rigor e reflexão (tarefa própria da Filosofia) notaremos que pouco são aqueles que sabem, de fato, o que é cidadania.

Milton Santos**, geógrafo e filósofo (em seu sentido genuíno), afirmou a idéia a respeito da atual (secular em nosso caso) formação para a cidadania. Ele diz que o que mais se produz em "educação" são deficientes cívicos, ou seja, se tornou lícita (principalmente em alguns Estados como São Paulo!) a formação de pseudo-cidadãos. E, mais ainda, segundo ele, a retirada proposital de filosofia da grade educacional foi o maior serviço para esse objetivo. Só para lembrar, não foi à toa que com o golpe militar de 64 a primeira faculdade a ser fechada, no Rio de Janeiro, foi a de Filosofia.
Num País como o nosso, peça importante para o esquema do mundo globalizado (ou neo-colonizado), incomoda para certos grupos e/ou instituições, que a sociedade, principalmente embasada no espírito da juventude, exerça efetivamente a qualidade de pensar (e o verdadeiro pensar é por natureza crítico).
A Filosofia tem por objetivo levantar o questionamento, através de um pensamento de rigor,  pelas raízes/causas (daí o seu radicalismo) dos fatos, e em relação a cidadania não poderia ser diferente. A Filosofia nos leva a profundamente pensar, e pensar é princípio de mudança e o bem pensar leva certamente a uma boa mudança, leva a construção do cidadão ativo, do co-cidadão participativo...
Tudo que é humano não nos pode ser indiferente, ser estranho.

* Dom Hélder Pessoa Câmara, OFS (Fortaleza, 7 de fevereiro de 1909Recife, 27 de agosto de 1999) foi um bispo católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife. Foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e grande defensor dos direitos humanos durante o regime militar brasileiro. Pregava uma Igreja simples, voltada para os pobres e a não-violência. Por sua atuação, recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Foi o único brasileiro indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz.

Por suas múltiplas e diversificadas atividades, encantando a muitos e desagradando a outros, foi chamado por vários nomes, entre os quais: Guerreiro da Paz, Dom da Paz, Bispo Vermelho, Bispo dos Pobres, Profeta do Terceiro Mundo, Arcebispo das Favelas, Artesão da Paz, Dom do Amor, da Paz e da Justiça, Campeão da Solidariedade, Bispo Comunista.

** Milton Almeida dos Santos (Brotas de Macaúbas, Bahia, 3 de maio de 1926São Paulo, São Paulo, 24 de junho de 2001) foi um geógrafo brasileiro. Apesar de ter se graduado em Direito, Milton destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da Geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo. Foi um dos grandes nomes da renovação da geografia no Brasil ocorrida na década de 1970.

*** Positivismo é um conceito que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do século XX. Desde o seu início, com Augusto Comte1798-1857) na primeira metade do século XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente, incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre si. Nesse sentido, há correntes de outras disciplinas que se consideram "positivistas" sem guardar nenhuma relação com a obra de Comte. Exemplos paradigmáticos disso são o Positivismo Jurídico, do austríaco Hans Kelsen, e o Positivismo Lógico (ou Círculo de Viena), de Rudolph Carnap, Otto Neurath e seus associados.
Para Comte, o Positivismo é uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, das crises social e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história).

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