O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Berthold Brecht)

domingo, 26 de outubro de 2014

Boca de urna*_ Crônica do amigo Otávio Sitônio Pinto

“O doleiro não apresentou – e nem lhe foram pedidas – provas do que disse.”

O antídoto para a reportagem escandalosa que a revista Veja publicou em 24/10/2014, sobre o possível conhecimento da presidente Dilma Roussef a respeito de operações de propinas na Petrobrás, está no próprio texto da matéria. “O doleiro não apresentou – e nem lhe foram pedidas – provas do que disse.”
Assim, a denúncia premiada do doleiro Alberto Youssef queda-se vazia, porque sem provas. E Direito é prazo e provas, se diz no jargão jurídico. A denúncia passa a ser calúnia, crime previsto no Código Penal: “Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
Os autores da denúncia caluniosa ainda envolveram o ex-presidente Lula no pacote, alegando que o mesmo também sabia do fato criminoso. Sem se aperceber, os redatores da matéria implicaram a si mesmos, pois não denunciaram os fatos anteriormente, deixando para fazê-la na véspera do pleito presidencial – em que a candidata Dilma Roussef apresenta-se como favorita, segundo revelam os institutos de pesquisas de maior credibilidade no País.
Por que Veja só disse o que sabia faltando apenas um dia para as eleições? O fato tornado escândalo, a tão pouco tempo do pleito, torna duvidosa a reportagem da revista. Empana a clareza do que poderia ser verdade nas revelações apresentadas, sem provas de qualquer espécie. O próprio depoimento do doleiro, que a Veja disse ter sido gravado em vídeo, é apresentado num croquis feito pela arte da revista.
A cena é descrita em detalhes (quem viu, quem contou?), relatando-se a postura física de Youssef, com os braços em cima da mesa, junto a seu advogado. O texto da reportagem refere a data do depoimento como “na última terça-feira”. E deu tempo para a informação privilegiada vazar, com o croquis do faz-de-conta, e virar matéria de capa da revista já na edição de sábado. Quem tem boca diz o que quer, e como quer – diz o povo. Difícil vai ser provar os fatos enunciados, sacudidos precipitadamente contra a honra da atual presidente da República e de um ex-presidente.
A revista virá a público no próximo sábado, e a eleição será no domingo, amanhã. Uma denúncia feita para não haver tempo de desmentido, como a cesta de basquete lograda no derradeiro segundo, ou o gol alcançado no apito final da partida. Mas o leitor e o eleitor saberão identificar a intenção maldosa da publicação, se houver tempo para a leitura da matéria tão recente – divulgada como um panfleto de boca de urna, no crepúsculo da campanha.
*Otávio Sitônio Pinto faz parte do IHGP e da APL e escreve no jornal 
A União_ PARAÍBA_ às terças, quintas e sábados.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Religiosidade infantil ou infantilização da religiosidade?

Contribuição à AT REVISTA do dia 12 de Outubro de 2014 (Ano 10_ Ed. 515)
por Joyce Moysés




A entrevista na íntegra:

Qual a importância da formação espiritual/religiosa na vida da criança?
A importância é grande, uma vez que o humano é um ser dotado de inteligência, vontade e mistério, ou seja, nunca esgotaremos nossas definições enquanto seres. O mistério (lá onde a razão cala!) nos abre para a intuição e nos garante a dúvida perene (e isso é por si só maravilhoso!) de saber quem sou, como vou e para onde vou. Trabalhar o mistério, cultivá-lo enquanto fator inerente ao Homem é o princípio de qualquer formação espiritual consciente e não impositiva de uma fé alienada que, portanto, educa de forma alienante. No meu livro “Dissecando o líder” trabalho a ideia de que o conhecimento da dimensão do mistério em sua vida, a matéria bruta da religiosidade e da transcendência, é um princípio de autonomia. E educação não é ajudar a si e aos demais a desenvolverem a autonomia? Então, aí está....

Como os pais devem contribuir para essa formação?
Sendo exemplares no que fazem de acordo com o que dizem.

Se os pais não seguem uma religião – e mesmo se seguem! –, vale a pena esperar a criança crescer para decidir o caminho que quer seguir? E a partir de quando ela poderá decidir? Transmitir valores como respeito ao próximo, fazer o bem etc., enfim, dar uma boa educação cumpre/supre essa função?
Veja, é preciso que diferenciemos religiosidade de religião a, b ou c. Como disse, a religiosidade, capacidade da transcendência humana, embora faça parte, está além desta ou daquela religião. Se os pais incorporaram o hábito de serem bons segundo valores inalienáveis da condição humana, os filhos chegarão às dimensões religiosas mais próximas disso. Se tais valores fazem, verdadeiramente, parte da religião que os pais frequentam, melhor...

Como falar sobre Deus, Jesus...? Usar nomes lúdicos, como Papai do Céu, ajuda? Até quando esse recurso é válido?
Antes, é importante estarmos atentos às palavras e aos fatos que fizeram com que nascessem as religiões. Pois bem, lembrar que Jesus, Moisés e Maomé, por exemplo, apareceram como líderes sociais libertadores e, então, ensinarmos por meio das histórias reais, o quão é importante encarnarmos valores e princípios que garantam um sentido maior à minha vida e a dos demais, sem os quais extingo minha própria espécie, o lúdico e seus elementos se tornam válidos...

Se os pais tiverem dificuldade para responder algo relacionado à religião, o que fazer?
Estudar, estudar e estudar... Ninguém deveria ter a pretensão de saber tudo. Isso vale também para as nossas convicções mais íntimas. Religião que se impõe e não permite o questionamento atrofia o cérebro e costuma, inversamente, arreganhar o bolso e encher a mala dos pregadores de ocasião, falsos donos da verdade.