O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Berthold Brecht)

sábado, 27 de março de 2010

CUBA: Uma ilha entre 'tsunamis'

Republico artigo da professora e amiga Maria do Carmo Luiz Caldas Leite. Sua dissertação de mestrado versa, justamente, sobre o processo educativo cubano.

Gênesis de uma agressão: a contra-revolução em Cuba 

 
"O mundo tem dois campos: todos que perturbam a liberdade, porque a querem somente para si, estão em um; os que amam a liberdade, e a querem para todos, estão em outro."
 
José Martí

A recente visita de Lula a Cuba e a morte do preso Orlando Zapata tem provocado uma grande polêmica, jogando luz à atuação do imperialismo e às atitudes assumidas pelos partidos políticos. Mais profundamente, este debate deve nos levar a ponderações fundamentadas na formação e na informação, fora da guerra mediática que divide o mundo, segundo a epígrafe acima.

Nas raízes deste contexto há fortes variáveis em movimento, que não podem ser desprezadas. O
Orçamento do Departamento de Estado dos EUA, para o ano fiscal de 2011, é um documento que merece exame. Este projeto revela, entre outros absurdos, que no próximo ano os vizinhos do norte pretendem gastar mais de US$ 20 milhões para tentar subverter o Estado cubano. Em seis capítulos, com 450 páginas, o chamado Relatório da Comissão de Ajuda para uma Cuba Livre, elaborado no governo Bush, não poderia conter mais rancor e planos de intervenção em assuntos internos de um país.

Com tarefas estratégicas visando o colapso da Ilha, este último documento indicava o incremento de apoio à contra-revolução interna e a ampliação das campanhas internacionais, além de um programa de medidas para afetar a economia cubana. Em seu primeiro capítulo, destacava-se a disponibilidade de US$ 59 milhões para o desenvolvimento da “sociedade civil” em Cuba, contando com “voluntários” de terceiros países para viajar à Ilha, em ajuda aos mercenários a seu serviço. Portanto, por parte da mídia hegemônica, cumpridora do papel de infundir o convencimento de que uma pessoa praticante de crimes comuns passe a ser um dissidente do regime, isso é o esperado.


Na realidade, essa luta começou muito antes de 1959, pois remonta ao início do século XIX a identificação da classe burguesa com a idéia de anexação. A teoria da “fruta madura” fazia alusão à inevitabilidade de que Cuba cairia nas mãos dos EUA, quando se desprendesse da Espanha. A herança do neocolonialismo predatório impôs à Ilha a unidade, como estratégia política. Inúmeras evidências, inseridas nessa tensão, têm vínculo com os problemas migratórios. A Lei de Ajuste Cubano, promulgada em agosto de 1966 – mediante a qual os EUA admitem a entrada ilegal dos cubanos, lhes concede residência e possibilidade de trabalhar – para muitos tem o objetivo de transformar o tema em ferramenta de permanente desestabilização.


Dentro deste quadro de animosidades, aos socialistas e a qualquer pessoa movida por um caráter humanitário cabe lamentar que um homem tenha sido usado e descartado, depois de cumprir o seu triste papel. Em um país onde se investe tanto em Educação é penoso aceitar que ainda existam pessoas desejosas de invadir uma casa com o fim de roubá-la ou arrastar um país para transformá-lo em neocolônia. Em um trecho de “O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte”, Marx, com suas idéias que atravessam o tempo e as fronteiras, afirmou que, diante da orfandade, a contra-revolução bonapartista extraía seus quadros e heróis do lumpenproletariado de Paris. Mais do que nunca, os episódios ocorridos em Cuba comprovam a atualidade do pensamento marxista.


A maioria das organizações de esquerda no mundo saiu em defesa do governo cubano, denunciando uma nova campanha imperialista. Outros preferiram adotar “a fraseologia revolucionária, as palavras de ordem excelentes, que arrastam e embriagam, mas são desprovidas de base sólida”, como nos disse Lênin. Para os detratores das lutas travadas pelo povo cubano, o que fica difícil de aceitar é que a Ilha disponha de um sistema educativo – a pedra angular da Revolução Cubana –, que traz ao país o grande diferencial, caracterizado por sentimentos de autoconfiança, altivez e lealdade aos princípios, que somente a dignidade conquistada nos últimos 50 anos poderia lhes dar.

___________________
Maria do Carmo Luiz Caldas Leite é Mestra em Educação, professora da Universidade Católica de Santos e Presidente da AELAM – Associação de Educadores Latino-Americanos da Baixada Santista.
Fonte: http://fmauriciograbois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=8&id_noticia=677

sexta-feira, 5 de março de 2010

No espírito do capitalismo, JESUS é diariamente crucificado

Em uma entrevista especial de NATAL (2009), me foi permitido discorrer sobre o cristianismo e a cultura capitalista. Este programa Notícias em Debate (SBT/TVB) que foi ao ar dia 25/12/2009 e, também, teve a presença do prof. Ricardo Galvanese, é apresentado pelo jornalista Paulo Schiff de segunda à sexta-feira às 13h00.

"No sistema CAPITALISTA, Jesus é mais um excluído: um sem-terra, um favelado em São Paulo ou um morador de morro do Rio De Janeiro etc."

O pior cego é o que não quer ver, e o pior cristão é o que não quer LER!

Há muito que a Teologia da Libertação escancarava ao mundo, em outras palavras, a partir dos guetos latinoamericanos, que aquele que não condena o capitalismo dele se serve, a ele se curva e bom cristão não é. Pois bem , passados trinta anos, a impressão que muitos têm é que os mesmos teólogos da libertação não existem mais, afinal foram vencidos em suas teses e ultrapassados em suas práticas. Ledo engano.
Disse, certa vez, o Papa João Paulo II, que se a Teologia da Libertação não existisse, teria de ser inventada. Reconhecia Sua Santidade que a mesma revigorara o Evangelho mantendo-o Boa Nova ao assumir radicalmente a opção preferencial pelos pobres. A partir daí, a Igreja do Brasil tomou maior consciência de suas dimensões comunitárias e de suas responsabilidades políticas. Não parou mais de incluir em suas atitudes tal opção. 
Porém, há quem diga que, em tempos recentes, o papa Bento XVI afogou, por assim dizer, a Teologia da Libertação, terminando por matá-la na Conferência dos Bispos Latino Americanos em Aparecida. O pior cristão é o que não quer LER
Quando ainda Cardeal Ratzinger e ocupando o nada simpático cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina Da fé, havia escrito duas cartas aos teólogos da libertação. Não os condenava, embora não os incentivasse; mas, acima de tudo, pedia cautela para com a interpretação do evangelho e elencava algumas diretrizes sobre a verdadeira libertação cristã. Ratzinger aprendeu muito com a Teologia da Libertação e seus grandes teólogos; Dom Pedro Casaldáliga (Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia), quando interrogado pelo então Cardeal, relatara sobre sua curiosidade de entender e avaliar corretamente a mesma. O problema é que o PAPA, no que tange à sua representatividade, é seqüestrado por determinados grupos católicos que o interpretam como lhes convém. 
É óbvio que Bento XVI possui opinião (penso que suas obras enquanto padre são reveladoras e, até certo ponto, revolucionárias desde o Concílio Vaticano II quando, com o teólogo Yves Congar, lutou pela aprovação do documento "Lumen Gentium", por uma 'doutrina' que, como Jesus, tocasse no coração dos povos), porém sabe que representa para os cristãos o aposóstolo apascentador
Em sua mensagem para o dia mundial da paz (1/1/10), "SE QUISERES CULTIVAR A PAZ, PRESERVA A CRIAÇÃO", o papa Bento XVI deixou transparecer toda sua crítica e responsabilidade político-religiosa (se a mensagem não fosse de quem é, já a teriam condenado como fruto da Teologia da Libertação!):
  • "(...) é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e também reflectir sobre o sentido da economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações. (...) A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural; precisa de redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos". 
  • "(...) Mas o verdadeiro significado do mandamento primordial de Deus, bem evidenciado no livro do Génesis, não consistia numa simples concessão de autoridade, mas antes num apelo à responsabilidade.(...) «cada decisão económica tem consequências de carácter moral», é necessário também que a actividade económica seja mais respeitadora do ambiente".
  • "(...) que a tutela da propriedade privada não dificulte o destino universal dos bens". 
  • "(...) «redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter acesso aos mesmos».(...) Trata-se de uma dinâmica imprescindível, já que «o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade»". 
  • "(...) o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós, os estilos de vida e os modelos de consumo e de produção hoje dominantes, muitas vezes insustentáveis do ponto de vista social, ambiental e até económico. Torna-se indispensável uma real mudança de mentalidade que induza a todos a adoptarem novos estilos de vida, «nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento». Deve-se educar cada vez mais para se construir a paz a partir de opções clarividentes a nível pessoal, familiar, comunitário e político". 
  • "(...) Os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si mesma e no seu relacionamento com os outros".
Bento XVI é europeu, não viveu a América Latina em sua pobreza, nem viveu a angústia miserável assim como nossos irmão pobres do hemisfério Sul. Mas deixa transparecer em seus discursos, mensagens, homilias e encíclicas (sua última é sobre a economia excludente de nossos dias!) a preocupação de um europeu que quer (como obrigação), uma vez mais, entender o que não presenciou. Quer ser um PAPA de referência pastoral de todos os cristãos, uma vez que já é referência intelectual dos mesmos. Sinceramente, penso que, talvez, não esteja conseguindo, quem sabe tenha se tornado ainda mais europeu na cadeira romana (ou 'romanizada') de Pedro, porém, o problema maior que vislumbro é a falta de formação intelectual dos novos clérigos para entendê-lo, assimilá-lo, com ele, caminhar e, por que não, criticá-lo
A formação dos novos padres, há um tempo, vem deixando a desejar, assim como há um descaso para com a educação em geral, o mesmo se dá em reflexo e coseqüência na Igreja Católica. Aí a fé afrouxa, Deus vira temor e imaginação, padre vira psicólogo as avessas, criam-se coreografias alienantes, não mais se estuda e vive-se dando testemunho de vida aos demais (em palavras de autobiografias elogiosas) etc., e a Igreja encontra sua tradição intelectual em certo perigo (momentâneo, é verdade!).
Enquanto isso, teólogos, religiosos e leigos da Teologia da Libertação, não como grupo fechado ou de escolhidos, caminha  comunitariamente e sem alarde semeando, revigorando a Palavra de Deus, primando pelo bom conceito, pela reflexão crítica profunda e, ainda, se animando cada vez mais  para efetivar, desde já, o reino de Deus a partir dos pobres, filhos diletos Dele. O papa não parece ser contrário a isso. 

Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações. De todos eles se apoderou o temor, pois pelos apóstolos foram feitos também muitos prodígios e milagres em Jerusalém e o temor estava em todos os corações. Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação. (Atos dos Apóstolos 2, 42-47)