O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Berthold Brecht)

sexta-feira, 5 de março de 2010

O pior cego é o que não quer ver, e o pior cristão é o que não quer LER!

Há muito que a Teologia da Libertação escancarava ao mundo, em outras palavras, a partir dos guetos latinoamericanos, que aquele que não condena o capitalismo dele se serve, a ele se curva e bom cristão não é. Pois bem , passados trinta anos, a impressão que muitos têm é que os mesmos teólogos da libertação não existem mais, afinal foram vencidos em suas teses e ultrapassados em suas práticas. Ledo engano.
Disse, certa vez, o Papa João Paulo II, que se a Teologia da Libertação não existisse, teria de ser inventada. Reconhecia Sua Santidade que a mesma revigorara o Evangelho mantendo-o Boa Nova ao assumir radicalmente a opção preferencial pelos pobres. A partir daí, a Igreja do Brasil tomou maior consciência de suas dimensões comunitárias e de suas responsabilidades políticas. Não parou mais de incluir em suas atitudes tal opção. 
Porém, há quem diga que, em tempos recentes, o papa Bento XVI afogou, por assim dizer, a Teologia da Libertação, terminando por matá-la na Conferência dos Bispos Latino Americanos em Aparecida. O pior cristão é o que não quer LER
Quando ainda Cardeal Ratzinger e ocupando o nada simpático cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina Da fé, havia escrito duas cartas aos teólogos da libertação. Não os condenava, embora não os incentivasse; mas, acima de tudo, pedia cautela para com a interpretação do evangelho e elencava algumas diretrizes sobre a verdadeira libertação cristã. Ratzinger aprendeu muito com a Teologia da Libertação e seus grandes teólogos; Dom Pedro Casaldáliga (Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia), quando interrogado pelo então Cardeal, relatara sobre sua curiosidade de entender e avaliar corretamente a mesma. O problema é que o PAPA, no que tange à sua representatividade, é seqüestrado por determinados grupos católicos que o interpretam como lhes convém. 
É óbvio que Bento XVI possui opinião (penso que suas obras enquanto padre são reveladoras e, até certo ponto, revolucionárias desde o Concílio Vaticano II quando, com o teólogo Yves Congar, lutou pela aprovação do documento "Lumen Gentium", por uma 'doutrina' que, como Jesus, tocasse no coração dos povos), porém sabe que representa para os cristãos o aposóstolo apascentador
Em sua mensagem para o dia mundial da paz (1/1/10), "SE QUISERES CULTIVAR A PAZ, PRESERVA A CRIAÇÃO", o papa Bento XVI deixou transparecer toda sua crítica e responsabilidade político-religiosa (se a mensagem não fosse de quem é, já a teriam condenado como fruto da Teologia da Libertação!):
  • "(...) é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e também reflectir sobre o sentido da economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações. (...) A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural; precisa de redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos". 
  • "(...) Mas o verdadeiro significado do mandamento primordial de Deus, bem evidenciado no livro do Génesis, não consistia numa simples concessão de autoridade, mas antes num apelo à responsabilidade.(...) «cada decisão económica tem consequências de carácter moral», é necessário também que a actividade económica seja mais respeitadora do ambiente".
  • "(...) que a tutela da propriedade privada não dificulte o destino universal dos bens". 
  • "(...) «redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter acesso aos mesmos».(...) Trata-se de uma dinâmica imprescindível, já que «o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade»". 
  • "(...) o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós, os estilos de vida e os modelos de consumo e de produção hoje dominantes, muitas vezes insustentáveis do ponto de vista social, ambiental e até económico. Torna-se indispensável uma real mudança de mentalidade que induza a todos a adoptarem novos estilos de vida, «nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento». Deve-se educar cada vez mais para se construir a paz a partir de opções clarividentes a nível pessoal, familiar, comunitário e político". 
  • "(...) Os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si mesma e no seu relacionamento com os outros".
Bento XVI é europeu, não viveu a América Latina em sua pobreza, nem viveu a angústia miserável assim como nossos irmão pobres do hemisfério Sul. Mas deixa transparecer em seus discursos, mensagens, homilias e encíclicas (sua última é sobre a economia excludente de nossos dias!) a preocupação de um europeu que quer (como obrigação), uma vez mais, entender o que não presenciou. Quer ser um PAPA de referência pastoral de todos os cristãos, uma vez que já é referência intelectual dos mesmos. Sinceramente, penso que, talvez, não esteja conseguindo, quem sabe tenha se tornado ainda mais europeu na cadeira romana (ou 'romanizada') de Pedro, porém, o problema maior que vislumbro é a falta de formação intelectual dos novos clérigos para entendê-lo, assimilá-lo, com ele, caminhar e, por que não, criticá-lo
A formação dos novos padres, há um tempo, vem deixando a desejar, assim como há um descaso para com a educação em geral, o mesmo se dá em reflexo e coseqüência na Igreja Católica. Aí a fé afrouxa, Deus vira temor e imaginação, padre vira psicólogo as avessas, criam-se coreografias alienantes, não mais se estuda e vive-se dando testemunho de vida aos demais (em palavras de autobiografias elogiosas) etc., e a Igreja encontra sua tradição intelectual em certo perigo (momentâneo, é verdade!).
Enquanto isso, teólogos, religiosos e leigos da Teologia da Libertação, não como grupo fechado ou de escolhidos, caminha  comunitariamente e sem alarde semeando, revigorando a Palavra de Deus, primando pelo bom conceito, pela reflexão crítica profunda e, ainda, se animando cada vez mais  para efetivar, desde já, o reino de Deus a partir dos pobres, filhos diletos Dele. O papa não parece ser contrário a isso. 

Perseveravam eles na doutrina dos apóstolos, na reunião em comum, na fração do pão e nas orações. De todos eles se apoderou o temor, pois pelos apóstolos foram feitos também muitos prodígios e milagres em Jerusalém e o temor estava em todos os corações. Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia de todo o povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros que estavam a caminho da salvação. (Atos dos Apóstolos 2, 42-47)

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