O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Berthold Brecht)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O discurso que a Drª Zilda Arns não pôde proferir


Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; 
mas o que perder a sua vida por amor de mim 
e do Evangelho, salvá-la-á. (Marcos 8,35)

Todo aquele que der ainda que seja 
somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, 
porque é meu discípulo, em verdade eu vos digo: 
não perderá sua recompensa. (Mateus 10,42)


Reproduzo parte da tradução que fiz do último discurso (http://www.cnbb.org.br/site/images/stories/discurso_haiti.pdf) da Drª Zilda Arns, que faleceu ontem, vítima dos abalos que acometeram o Haiti, país irmão, país sofrido. Drª Zilda Arns, a pedido da CNBB, havia ido ao Haiti para, a partir de sua experiência, animar a construção da Pastoral da Criança naquele país. Morreu a morte dos santos, servindo por entre os filhos diletos de Deus: os pobres. Antes, posto nota de pesar de seu irmão, Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns:

Acabo de ouvir emocionado a notícia de que minha caríssima irmã Zilda Arns Neumann sofreu com o bom povo do Haiti o efeito trágico do terremoto.
Que nosso Deus, em sua misericórdia, acolha no céu aqueles que na terra lutaram pelas crianças e os desamparados.
Não é hora de perder a esperança!

Paulo Evaristo cardeal Arns
São Paulo, 13 de janeiro de 2010


Discurso da Doutora Zilda Arns Neumann (não) proferido no Haiti no dia 12 de janeiro de 2010

Haiti

Discurso

Agradeço o honroso convite que me fizeram. Quero manifestar minha grande alegria por estar aqui com todos vocês em Porto Príncipe, Haiti, para participar da assembléia dos religiosos.
Como irmã de 2 franciscanos e 3 irmãs da Congregação das Irmãs de Notre Dame, estou muito feliz entre todos vocês. Dou graças a Deus por este momento.
Na realidade, todos nós estamos aqui, neste encontro, porque sentimos dentro de nós um forte chamamento a difundir no mundo a boa nova de Jesus. A boa nova, transformada em ações concretas, é luz e esperança na conquista da Paz nas famílias e nas nações. A construção da Paz começa no coração das pessoas e tem seu fundamento no Amor, que tem suas raízes na gestação e na primeira infância, transformando-se em Fraternidade e co-responsabilidade social.
A Paz é uma conquista coletiva. Tem lugar quando impulsionamos as pessoas, quando promovemos os valores culturais e éticos, as atitudes e práticas da busca do bem comum, que aprendemos de nosso Mestre Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância.” (Jo 10, 10)
Espera-se que os agentes sociais sigam as referências éticas e morais de nossa Igreja, sejam, como ela, mestra em orientar as famílias e comunidades, especialmente nas áreas da saúde, educação e direito humanos. Deste modo, podemos formar a massa crítica nas comunidades cristãs e de outras religiões, em favor da proteção da criança desde a concepção, mais excepcionalmente, até aos seis anos, e da adolescência. Devemos nos esforçar para que nossos legisladores elaborem leis e os governos executem políticas públicas que incentivem a qualidade da educação integral das crianças e a saúde, como prioridade absoluta.

O povo seguiu Jesus porque tinha palavras de esperança. Assim, nós somos chamados a anunciar experiências positivas e caminhos que levem as comunidades, famílias e o país a serem mais justos e fraternos.
Como discípulos e missionários, intimados a evangelizar, sabemos que a força propulsora da transformação social está na prática do maior de todos os mandamentos da Lei de Deus: o Amor, que se expressa na solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas. “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos” significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça; significa não ser nocivo, aplicar nossos melhores talentos em favor da Vida Plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade. Todo esse caminho necessita da comunicação constante para iluminar, animar, fortalecer e democratizar nossa Missão de Fé e Vida.
Cremos que esta transformação social exige uma conversão máxima de esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Este desenvolvimento começa quando a criança se encontra ainda no ventre sagrado de sua mãe. As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de Paz e Esperança. Não existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem maldades do que as crianças.
Por isso disse Jesus: “... se vocês não se fizerem como estas crianças, não entrarão no Reino dos Céus.” (MT 18, 3). E “Deixem vir a mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus.” (Lc 18, 16).
Hoje vou compartilhar com vocês uma verdadeira história de amor e inspiração divina, um sonho que se fez realidade. Como ocorreu aos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35), “Jesus caminhava todo o tempo com eles. O reconheceram com o partir do pão, símbolo da vida.” Em outra passagem, quando a barca no mar da Galiléia estava a ponto de destruir-se abaixo das violentas ondas, ali estava Jesus com eles, para acalmar a tormenta.” (Mc 4, 35-41).
Com alegria vou contar-lhes sobre o que “vi e sobre o que tenho sido testemunha” nesses 26 anos, desde a fundação da Pastoral da Criança em setembro de 1983. Aquilo que era uma semente, que começou por entre o povo de Florestópolis, Paraná, no Brasil, se converteu no Organismo de Ação Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, presente em 42.000 comunidades pobres e em 7.000 paróquias de todas as Dioceses do Brasil.
Pela força da solidariedade fraterna, uma rede de 260 mil voluntários, dos quais 141 mil são líderes que vivem em comunidades pobres, 92% são mulheres, e participam permanentemente da construção de um mundo melhor, mais justo e mais fraterno, ao serviço da Vida e da Esperança. Cada voluntário dedica, pelo menos, 24 horas ao mês para esta Missão transformadora de educar as mães e famílias pobres, compartilhar o pão da fraternidade e gerar conhecimentos para a transformação social.
O objetivo da Pastoral da Criança é reduzir as causas da desnutrição e a mortalidade infantil, promover o desenvolvimento integral das crianças, desde sua concepção até os seis anos de idade. A primeira infância é uma etapa decisiva para a saúde, a educação, a consolidação dos valores culturais, o cultivo da fé e da cidadania, com profundas repercussões para o resto da vida.
(...)
Os resultados do trabalho voluntário, com a mística do amor a Deus e ao próximo, em sintonia com nossa mãe terra, que a todos deve alimentar, nossos irmãos, os frutos e as flores, nossos rios, lagos, mares, bosques e animais. Tudo isso nos mostra como a sociedade organizada pode ser protagonista de sua transformação. Neste espírito, ao fortalecer os laços que unem a comunidade, podemos encontrar as soluções para os graves problemas sociais, que afetam as famílias pobres.
Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, distante dos predadores, das ameaças e perigos, e mais perto de Deus, devemos cuidar de nossas crianças como um bem sagrado, promover o respeito aos seus direitos e protegê-los.
Muito obrigado!
Que Deus acompanhe a todos!

Dra. Zilda Arns Neumann
Médica pediatra e especialista em Saúde Pública
Fundadora e Coordenadora da Pastoral Internacional da Criança

Coordenadora Nacional da Pastoral da Pessoa Idosa

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